O Brasil de hoje, pelo que vejo, é aquele país onde as surpresas que ocorrem já são de se esperar. Não te surpreende mais ser assaltado a mão armada, ser atropelado no sinal vermelho, ser enganado por mecânicos a bancários e ninguém ter, no mínimo olhos, ao próximo.
Eu disse isso porque, se formos relacionar o que aconteceu comigo ao mundo dos dias atuais, o fato ocorrido foi totalmente vintage. Sim, pois, hoje em dia, quem confiaria 20 reais em uma pessoa que se desconhece? E pior (ou melhor): quem aceitaria esse dinheiro?
Vou explicar melhor. Estava chegando no colégio onde estudo, quando um cara, estudante do mesmo, me para e me diz:
- Com licença, voce conhece alguém da turma 211-B?
O canudo de desenho arquitetônico nas minhas costas deve ter justificado a escolha do garoto. Como no meu círculo de amizade há pessoas que conhecem pessoas do primeiro ano, falei:
- Acho que sim... Apenas de vista.
Quando pensei que a conversa iria parar por aí e eu não poderia ajudá-lo, ele me fez a seguinte pergunta:
- Bem... Será que voce pode me fazer um favor?
Sim, fiquei apreensiva. Eu não conhecia o autor desta pergunta e não sabia o que ele iria pedir. Um desconhecido pedindo um favor - hum. Teria mais uma coisa pra fazer, mais uma coisa para me preocupar. Pouca gente daria trela para uma situação destas, mas...
- Pode falar - falei.
O cara coloca a mão no bolso e a tira com 20 reais nela. Ele estava pedindo para eu entregar esse dinheiro a uma amiga dele da tal turma 211-B. Não, não sei se esse dinheiro era empréstimo, pagamento de dívida ou coisa assim. Não perguntei.
Depois de alguns segundos de pensamento, eu aceitei a proposta. Peguei o dinheiro e entrei no colégio.
Sim, eu estava com 20 reais na mão e qualquer um, inclusive eu, poderia fazer o que quisesse com eles. Alguns brasileiros esqueceriam desse favor e desse dinheiro e quando o visse de novo pensaria que a mãe, o pai ou a tia teria dado para o lanche da semana. Outra parcela de brasileiros ficaria descaradamente com o dinheiro, podendo gerar uma confusão entre os reais envolvidos nessa história... Mas ela não iria estar nem aí. Não sei se sou a única pessoa que seria (e foi) capaz de fazer o que foi pedido, mas com toda certeza sei que seria muito mais fácil não aceitar, pois não conhecia a receptora da grana. Mas eu aceitei.
Na verdade, pensei que seria fácil achar essa garota, pois como já disse, um pessoal da minha sala conhece gente do 1º ano. "É só entregar a eles e eles entregam a ela!". Mas não! Perguntei a um, a dois, a todos que conheciam gente do 1º ano do curso de edificações e ninguém conhecia. Perguntei a pessoas de outras salas que eu conhecia, e realmente, ninguém conhecia. O que mais eu poderia pensar a não ser que essa menina não existia? Era Deus me dando 20 pilas de presente por bom comportamento? (tá, exagerei no bom comportamento. Deveria ser por outro motivo, mesmo.)
Perguntei à mulher que fica atenta aos que sobem para a sala na hora errada onde ficava a sala da turma 211-B.
- Ou na sala 109 ou na sala 110.
Lá vou eu subir. Quando chego ao final do corredor, não vejo ninguém na 109 e outra turma na 110.
Desci, um pouco impaciente, e esperei tocar o sinal para a próxima aula.
Quando tocou, chamei meu amigo para ir comigo e para me ajudar a ter coragem de interromper a aula de algum professor pra entregar uma nota do mico leão dourado a uma menina que eu não conhecia na frente de todo mundo. As salas 109 e 110 estavam na mesma situação, mas a 111 estava com a turma que eu queria. Pedi licença ao professor atuante, perguntei quem era Débora e naquele tenso silêncio, entreguei o dinheiro à menina da frente, encostada na parede, com menos que meias palavras, e saí. Finalmente, missão cumprida!
Meus amigos ficaram loucos quando cheguei no colégio e contei essa história! Eles ficaram se perguntando como um cara entrega 20 reais a alguém desconhecido, e se perguntaram mais ainda por que eu peguei esse dinheiro. Sabe que eu não sei? Não sou defensora dos fracos e oprimidos, mas em um lugar onde solidariedade, sinceridade e honestidade estão abaixo de tudo, acho que o que quis fazer mesmo foi minha parte (mesmo que seja pequena) para mudar essa realidade.